sábado, 16 de outubro de 2010

Artigo: PORTAR ARMA SEM MUNIÇÃO CONSTITUI CRIME ?


   O NOVO ASPECTO TÍPICO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA
  
I – Introdução:
O Direito Penal vivencia o duelo de duas correntes (Legalista e Constitucionalista), que expressam a conotação da ciência e apresentam distintos entendimentos sobre diversos temas e matérias. 

Desta forma, o presente trabalho busca desenvolver os pensamentos dessas teorias e apresentar, ao final, a atual tendência dos nossos julgadores, principalmente, no que tange a consagrada discussão da tipicidade ou não do porte de arma desmuniciada.

II – Legalistas x Constitucionalistas:
Como já mencionado, há no Direito Penal duas linhas de raciocínio sobre as interpretações e aplicabilidade das normas e leis. A doutrina legalista (oriunda do séc. XX) restringe seu horizonte à busca pura do que é posto na lei, ou seja, o “caminho seguido” é muito curto e esbarra somente no aspecto formal, não fazendo nenhuma menção ao plano material da análise da tipicidade. Já a teoria constitucionalista (séc. XXI) ganhou força no Brasil com a promulgação da CF/88 e com a propagação dos trabalhos de Roxin e outras expressões do funcionalismo que ousaram em discordar daquele entendimento limitado já exposto acima.         
Para os constitucionalistas, a Lei, secamente enfocada, de fato, nada expressa. Essa corrente se fortalece nos princípio da proporcionalidade, na teoria da norma, e no princípio da ofensividade.

III – (A)Tipicidade do Porte de Arma Desmuniciada:
Não se pode olvidar, que toda discussão dessa matéria tem como alicerce as duas teorias, já que para os legalistas constitui sim crime o porte de arma de fogo, mesmo que esteja sem munição. Os defensores, em análise rasa, do Art. 14 da Lei 10.829/2006 enxergam que há fato típico já que levam em consideração o perigo abstrato.

Os constitucionalistas, por sua vez, refutam esse modelo de perigo. Para estes, o relevante é o perigo concreto, ou seja, o que realmente se busca proteger (bem jurídico) com a norma (expressa ‘por trás’ da lei).

Fundamentos teóricos da visão constitucionalista: sob a perspectiva do princípio da ofensividade, não existe perigo abstrato em Direito Penal porque todo crime exige um resultado (CP, art. 13), que é o jurídico. Nullum crimen sine iniuria: não há crime sem ofensa (lesão ou perigo concreto de lesão) ao bem jurídico.

Essa ofensa configura o que se chama de resultado jurídico. Para que o agente responda penalmente por esse resultado jurídico ele deve ser desvalioso.

O resultado jurídico desvalioso configura, como se vê, um outro requisito do fato materialmente típico e ostenta natureza claramente normativa, porque depende de juízo de valoração do juiz. O resultado jurídico desvalioso preenche, ao lado do juízo de valoração da conduta, o aspecto material da tipicidade. É o segundo juízo de valor exigido pela tipicidade material. Vencida a primeira etapa (valoração da conduta), deve o juiz proceder ao segundo juízo valorativo (do resultado jurídico).

O fato de a arma de fogo encontrar-se desmuniciada torna atípica a conduta prevista no art. 14 da Lei 10.826/2003 [“Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”].

Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/2003, art. 14), haja vista que a arma encontrava-se desmuniciada. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que, por reputar típica a conduta em tela, indeferia o writ. HC 99449/MG, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 25.8.2009. (HC-99449)

VI– Conclusão:
Pelo exposto, chegamos a conclusão que, atualmente, não se pode considerar como típica a conduta de portar arma de fogo sem munição, muito embora, tenhamos ainda alguns defensores da teoria do risco abstrato, ou seja,  que o simples fato de portar uma arma já colocaria a paz social em risco.

O que se percebe, principalmente, é que somente o perigo abstrato, de acordo com essa jurisprudência, não serve, por si só, para fundamentar o injusto penal. Tampouco a realização formal dos requisitos típicos justifica o reconhecimento do delito. Além da tipicidade formal, impõe-se o exame da ofensa ao bem jurídico. Ofensa concreta, não presumida.

VII– Referências Bibliográficas:
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Legislação Penal Especial. 3ª ed., São Paulo:Ed. Saraiva, 2008, p. 371.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoria Del Garantismo Penal. Madrid: Editora Trotta, 2000.

ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo; Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997.

GOMES, Luiz Flávio.  Arma de fogo desmuniciada: perigo abstrato ou concreto? A polêmica continua. Disponível em http://www.lfg.com.br - 08 outubro. 2009.

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